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    O oxigênio da bolha imobiliária brasileira, parte 2

    3 de junho de 2015

    Post mais recente sobre a bolha imobiliária no Brasil: http://defendaseudinheiro.com.br/a-bolha-imobiliaria-no-brasil-e-a-economia

    Para acessar a parte 1, sobre juros básico da economia, crédito imobiliário, emprego e renda: http://defendaseudinheiro.com.br/o-oxigenio-da-bolha-imobiliaria-brasileira-parte-1

    Nesta parte 2, ao contrário do planejado inicialmente e com a finalidade de ter volume expressivo de evidências, focarei na simulação de demanda aquecida em troca de super estoque futuro, deixando a especulação em volume anormal e desinformação para parte 3.

    SIMULAÇÃO DE DEMANDA AQUECIDA EM TROCA DE SUPER ESTOQUE NO FUTURO?

    Por que é requisito de toda bolha imobiliária a simulação de demanda aquecida em troca de super-estoque no futuro? Porque é esta simulação que faz com que as pessoas achem natural um aumento rápido e relevante nos preços dos imóveis, pois todos passam a acreditar que o preço está crescendo como um reflexo da lei de oferta e procura. Isto ajuda a atrair investidores especuladores que fazem com que o preço infle ainda mais e rapidamente.

    Fazendo uma analogia com outras bolhas imobiliárias: nos EUA foi fornecido crédito imobiliário para famílias que não teriam condições de manter os pagamentos ao longo dos anos (subprime), aceitando como garantia o próprio imóvel que tinha preço crescente, algo similar ao que ocorreu na Espanha. Na mesma época e nestes dois países, primeiro a simulação de demanda aquecida fez preços dispararem, mas quando a inadimplência cresceu, foram devolvidos muitos imóveis e formados os super-estoques, forçando a queda nos preços. Já na China, “empresas sombra”, não vinculadas diretamente aos bancos oficiais, cuidaram de fornecer os financiamentos sem critério e o Governo chinês estimulou a criação de cidades-fantasma em paralelo. Como isto ocorre no Brasil?

    Da mesma forma que ocorreu na China, pelo fato de antes a bolha imobiliária já ter explodido de forma mais visível tanto nos EUA quanto na Espanha, com todo o Mundo sabendo sobre os mecanismos que foram utilizados nestes países para inflar a bolha e o quanto ela era destrutiva para economia, era necessário um processo diferenciado no Brasil, caso contrário,  haveria uma mobilização contra a mesma. É importante lembrar, que à época tínhamos um grande orgulho quanto a segurança de nossos bancos em seus processos de concessão de crédito e dizíamos aos americanos que eles só tinham tido este problema do subprime por não ter um mercado bancário tão bem regulamentado quanto o nosso. Como fazer diferente no Brasil, para não chamar atenção e não depender dos bancos?

    No Brasil, tivemos a entrada de dois megainvestidores que tinham ampla experiência nas bolhas imobiliárias dos EUA e Espanha, que foram Sam Zell e Enrique Bañuelos, o primeiro veio para Gafisa e o segundo para a PDG. Ambos iniciaram sua participação nestas empresas em época bem próxima da abertura de Capital das mesmas. O que aconteceu a partir daí?

    Em 2.008, estas construtoras passaram a fazer um grande volume de vendas falsas na planta, para famílias que não teriam renda para adquirir o crédito imobiliário na entrega dos imóveis, utilizando como estratégia, parcelas muito baixas durante a construção, falta de informações sobre reajuste de INCC, falta de simulação da contratação do crédito imobiliário, etc. Com isto, foi gerada uma simulação de demanda com filas nos stands de imóveis na planta, que permitiu que os preços subissem de forma rápida e significativa.

    Três anos depois, quando os imóveis frutos destas vendas foram entregues, vimos um volume de cancelamento de vendas que não existe para nenhum segmento de negócio, em nenhum lugar do Mundo, que não existia no Brasil antes disto, apesar das vendas na planta existirem há muito tempo e destas construtoras terem longa experiência em vendas de imóveis, sendo que estes distratos anormais continuam até hoje. Sam Zell e Enrique Bañuelos saíram de PDG e Gafisa pouco antes destes distratos aparecerem (ver evidências em “Referências”).

    Quais as consequências do processo acima? No começo as construtoras revendiam os imóveis devolvidos por um preço maior, valorizados pela própria falsa demanda, no entanto, este processo foi se tornando extremamente destrutivo para o caixa das construtoras, pois implicava em atraso muito relevante na maior parcela das receitas a serem recebidas, que é no ato da entrega, além de parcelas muito baixas durante a construção que não cobriam os custos, tudo isto combinado com super-estoques gerados tanto pelo alto volume de distratos, quanto pela forte concorrência dos especuladores no ato da entrega dos imóveis, sendo que estes super estoques atrasavam as vendas, forçavam “descontos” relevantes e traziam assim novo impacto negativo no caixa destas construtoras. Assim como ocorreu com bancos dos EUA e Espanha que financiaram o subprime, estas construtoras que mais praticaram o esquema de vendas falsas na planta, acabaram ficando em péssima situação financeira, com endividamento recorde e impagável, combinado com super estoques.

    Vejamos algumas informações que subsidiam o que consta acima, considerando que na média, as entregas de imóveis ocorrem em prazo entre 2,5 anos e 3 anos dos lançamentos:

    Post 40 - Imagem 1 - Vendas e Distratos

    Importante: nos gráficos acima não temos todas as construtoras que tiveram distratos no período, considerei uma amostra com 12 construtoras de grande porte com Ações na BOVESPA (temos, por exemplo, a Direcional que tem declarado alto volume de distratos nos últimos anos e que não fez parte desta amostragem). Parte das construtoras declara ter distratos e informa sobre o crescimento contínuo dos mesmos, mas não os declara em seus relatórios oficiais, apenas os abate de suas vendas brutas (exemplos: Cyrella e Even). Finalmente, temos ações que maquiam os distratos: a partir de 2.014 a PDG só reconhece distrato se não tiver revenda no próprio trimestre e desde antes disto, tentava aprovar distratos só depois de achar comprador para o mesmo, chegando a demorar mais de um ano para “analisar” distratos, construtoras oferecem descontos para cliente não distratar, trocam imóvel que cliente quer devolver por outro menor e mais barato para caber no financiamento imobiliário, dentre outras ações para maquiar estes distratos e os danos gerados.

    Pelo que podemos observar, como esperado, PDG e Gafisa demonstraram o seu pioneirismo nas vendas falsas já em 2.008, simulando demanda aquecida e gerando crescimento de preços de forma artificial, com efeitos aparecendo em 2.011 via distratos bilionários. A Brookfield também teve alto volume de distratos já a partir de 2.011, mas vindos de um volume de vendas falsas na planta feitas em 2.009.

    Em 2.012, a Rossi passou a apresentar os mesmos efeitos junto com o grupo anterior e os distratos totais das construtoras, mais do que dobraram neste ano.

    Conforme explicado acima, estes distratos são altamente danosos para resultados das construtoras, sendo assim, o que pudemos perceber em 2.012, quando distratos dobraram?

    Gafisa, Rossi, PDG e Brookfield, que lideraram as vendas falsas, tiveram os piores resultados entre as construtoras com Ações na BOVESPA no ano de 2.012, com prejuízo liquido recorde. Elas ficaram com índice de dívida liquida sobre patrimônio liquido que superou 100%, sendo que o normal para o segmento é máximo de 60%. Estas construtoras apresentaram também os maiores percentuais de estoque de imóveis sem vender em relação às suas vendas recentes. Isto caracterizou, de forma muito clara, a troca de uma simulação de demanda por um super-estoque futuro mais destruição dos resultados financeiros destas empresas.

    Vejamos abaixo o resultado de uma pesquisa feita por empresa especializada, no ano de 2.012, falando sobre os resultados consolidados de 12 construtoras. Podemos constatar, que os efeitos danosos das vendas falsas tem um reflexo maior do que somente sobre as empresas que o praticaram, uma vez que as empresas que mais “cresceram” em suas vendas foram estas, logo isto acaba afetando o mercado como um todo. Link da notícia:

    http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2013/04/construtoras-tem-prejuizo-e-estoque-de-imoveis-sobe-43-em-2012.html

    Trechos do link acima: “As vendas do conjunto de empresas também caíram mais de 20% em volume e em unidades.” ; “O estoque dobrou em unidades”. ; “No conjunto, esse grupo de construtoras reverteu o lucro obtido em 2011, de R$ 1,87 bilhão, para um prejuízo de R$ 1,42 bilhão em 2012.”

    Voltando às construtoras que lideraram as vendas falsas, o que aconteceu com elas a partir de 2.013, logo após os péssimos resultados financeiros e operacionais de 2.012?

    PDG: em 2.013 ela cancelou 48 empreendimentos para reduzir custos e estoques. Entre 2.013 e 2.014 teve que recorrer a empréstimos com condições “de pai para filho” vindos de CEF e BB (juros subsidiados, prazos de 18 e 24 meses para início de pagamento do principal), sendo que em 2.015 está tendo que apelar para aporte de Capital de controladores para pagar suas dívidas. Ao longo de 2.011 a 2.013 teve mais de R$ 1 bilhão em distratos por ano, sendo que estes distratos se “reduziram” para pouco mais de R$ 700 milhões em 2.014 graças a maquiagens e pedaladas junto a compradores desistentes, conforme explicado mais acima. Desde o ano de 2.013 realiza promoções com grandes descontos e entre 2.014 e 2.015 passou a vender parte de seus Ativos com preços reduzidos para outras empresas do segmento e fazer venda de imóveis no atacado com grandes descontos para grupos de investidores (exemplo: vendas para BTG), tudo para gerar caixa e ajudar a pagar parte das dívidas.

    Gafisa: em 2.013 teve que vender 70% de sua “galinha dos ovos de ouro”, o segmento Alphaville, só para conseguir pagar as dívidas geradas pela Tenda em função do volume anormal de distratos. Após isto, continuou tendo distratos relevantes, também superiores a R$ 1 bilhão por ano em 2.012 e 2.013, com número informado em 2.014 na ordem de R$ 500 milhões, reflexo da redução de lançamentos e vendas brutas em 2.011.

    Rossi: desde o segundo semestre de 2.012, quando os distratos acumularam mais de R$ 1,3 bilhão no total do ano, faz promoções para tentar diminuir estoques. Em 2.013 abandonou o segmento popular, uma vez que este concentrava a maior parte dos distratos, assim como deixou de atuar em diversas praças que claramente já possuíam super-oferta naquela época (acompanhada por PDG e outras construtoras). Vendeu grande número de terrenos para concorrentes por preços menores, para fazer caixa e conseguir ir pagando parcelas de suas dívidas, assim como realizou downsizing radical em sua estrutura. Teve distratos de mais de R$ 600 milhões em 2.013 e mais de R$ 1 bilhão em 2.014.

    Brookfield: passou a reduzir os lançamentos de forma radical ao longo dos anos, observando também um volume anormal de distratos de forma contínua e crescente, saindo de mais de R$ 400 milhões em 2.012 e chegando a mais de R$ 800 milhões em 2.014. Teve que se desfazer de diversos Ativos, vender terrenos e ainda, contar com forte apoio de controladores que colocaram mais de R$ 900 milhões na operação em 2.014.

    Como foram as vendas, lançamentos e estoques para um grupo de 12 construtoras (Viver, Eztec, Rossi, PDG, Gafisa, Brookfield, MRV, Tecnisa, Cyrella, Even, Helbor e Trisul), será que como nos EUA os impactos das vendas falsas foram mais abrangentes?

    Post 40 - Imagem 2 - evolução de vendas lançamentos e estoques

    O gráfico acima, mais uma vez elaborado a partir das informações das construtoras que constam em seus relatórios trimestrais, demonstra que a partir de 2.012, tivemos uma queda significativa em lançamentos e vendas, ao mesmo tempo que o estoque nominal e em proporção a vendas aumentou muito. Isto é algo curioso, porque se os lançamentos tiveram uma queda de 41,62% de 2.011 para 2.012 (redução de R$ 14,8 bilhões em lançamentos), o mínimo que se poderia esperar, é que os estoques diminuíssem e não aumentassem. Qual a causa para esta situação tão anormal?

    As vendas brutas em 2.012 tiveram uma queda de mais de 19% na comparação com 2.011 (aproximadamente R$ 7 bilhões de queda), já como reflexo da subida de preços que não era compatível com capacidade de compra dos potencias compradores e junto com isto, tivemos o volume de distratos que mais do que dobrou na comparação com 2.011, tendo sido superior a R$ 4,5 bilhões em 2.012. Este comportamento de queda nos lançamentos, com queda nas vendas brutas e aumento em distratos tem se mantido desde então, até hoje.

    O que consta acima é um reflexo do mecanismo de vendas falsas, que ocorre no Brasil de forma similar ao que ocorreu em outros países: mesmo com reduções relevantes e contínuas em lançamentos de imóveis, a diminuição das vendas brutas combinadas com o aumento nos cancelamentos de vendas faz com que os estoques cresçam sem parar e sejam cada vez maiores em sua proporção quanto a vendas. Esta consequência das vendas falsas é o mecanismo de auto-destruição da mesma, que garante que os preços dos imóveis tenham que se reduzir, quando o super estoque e mega endividamento se tornam insuportáveis e as empresas são obrigadas a reduzirem os preços para pagarem suas dívidas. É graças a isto, combinado com os resultados da especulação e presença de investidores em volume anormal, que já a partir do segundo semestre de 2.012 temos visto promoções e descontos por parte das construtoras, que não terminam com o passar dos anos, ao contrário, se intensificam, ao mesmo tempo que temos pesquisas feitas com base em preços reais, negociados, que também apontam quedas nos preços já a partir de 2.013 (evidências constarão na parte 3).

    O ideal para o segmento imobiliário, é que os estoques sejam o equivalente a 6 meses de vendas, ou no máximo 12 meses, o que percebemos, é que o estoque desde 2.012 tem sido superior a 1 ano de vendas em função dos distratos em patamares muito elevados e anormais que foram apresentados anteriormente, mais as quedas nas vendas brutas.

    Para termos uma melhor visualização quanto ao crescimento anormal dos estoques em sua proporção quanto a vendas, segue abaixo um gráfico que demonstra qual a duração do estoque em meses. Cálculo com base no estoque a valor de mercado em dezembro daquele ano, dividido pelas vendas liquidas de distratos do mesmo ano e depois multiplicado por 12, para termos o número de meses de vendas para liquidar aquele estoque.

    Post 40 - imagem 3 - estoque de imóveis ao longo dos anos

    Como exemplo, na somatória das 12 construtoras acima, se não tivéssemos tido R$ 17,6 bilhões de distratos entre 2.011 e 2.014, teríamos um estoque em dezembro de 2.014 equivalente a R$ 14,8 bilhões contra vendas liquidas de distratos em 2.014 de R$ 24,3 bilhões, ou seja, o estoque ao final de 2.014 seria o suficiente para aproximadamente  7 meses de vendas, bem próximo do que o segmento imobiliário considera ideal (6 meses de vendas). Na realidade, em virtude dos distratos absurdos, ao final de 2.014 a proporção entre estoque e vendas liquidas de distratos foi o equivalente a 21 meses de vendas, ou seja, mais que o triplo do número que pode ser considerado ideal pelo segmento imobiliário.

    Através dos números acima, é possível concluir que tivemos uma troca entre a simulação de vendas praticada pelas empresas que mais “cresceram” e super estoque de imóveis no futuro.

    Como ficou a situação das empresas que praticaram as vendas falsas ao final de 2.014? Vamos avaliar primeiro quanto a estoques, para verificarmos se, como esperado, elas apresentam números anormais em consequência deste esquema de vendas falsas:

    Post 40 - imagem 4 - meses de estoque 4 construtoras

    Selecionei as 4 empresas acima como amostra, dentre aquelas que praticaram vendas falsas, porque os controladores e administradores adotaram diferentes ações, que geraram resultados também diferentes, mas todos eles ainda anormais. Vejamos mais informações:

    No resultado destas 4 construtoras percebemos que todas ficaram muito acima do que seria o limite máximo aceitável para o segmento imobiliário (12 meses), puxando o super estoque do mercado que avaliamos anteriormente (todas no mesmo patamar ou acima da média para 12 empresas do segmento).

    Viver: a administração da Viver decidiu não fazer nenhum lançamento em 2.014 e vender aquilo que possuía em estoque. Apesar de uma ação tão radical, a proporção entre estoque e vendas piorou e nunca esteve tão ruim. Por que isto aconteceu? Grande parte das vendas depende de lançamentos, até porque as vendas falsas são em sua grande maioria em até 6 meses depois do lançamento. Ao “zerar” os lançamentos, as vendas caem vertiginosamente e quando combinamos isto com distratos em volumes elevados e vindos de uma época em que se “vendia” na planta em volume muito maior, estes distratos “naturalmente” alimentam fortemente o estoque e pioram a proporção entre estoques e vendas. Curiosidade: a Viver teve “vendas negativas” no 4T14, ou seja, o volume de distratos registrados foi superior às vendas brutas realizadas. Em outras palavras, a Viver “parou de pedalar e a bicicleta caiu”.

    PDG: reduziu em 32% os lançamentos de 2.013 para 2.014, mas os mesmos ainda foram elevados e com isto, superiores a R$ 1,3 bilhão. Se a PDG já tinha super estoques há anos e não resolveu este problema mesmo com o cancelamento de 48 empreendimentos (cada um com “N” prédios) em 2.013, qual a finalidade de ainda manter um volume elevado de lançamentos em 2.014? O objetivo da PDG foi o de “pedalar a bicicleta”, de forma a não deixar que ela caísse como aconteceu com a Viver, ou seja, a PDG fez um volume ainda elevado de lançamentos, para ter uma quantidade suficiente de vendas falsas na planta e assim, além de simular que a queda em vendas e resultados não era tão relevante, ela ainda encobria o volume muito relevante de distratos no ano. Como a PDG ainda conseguiu “fôlego para pedalar”? Ela obteve aqueles empréstimos de pai para filho de BB e CEF que mencionei acima, o que subsidiou o capital de giro para continuar fazendo lançamentos em volume elevado.

    Brookfield: reduziu em 55% os lançamentos de 2.013 para 2.014, sendo que os mesmos ficaram em R$ 560 milhões. Apesar desta ação, não conseguiu obter a normalidade na proporção entre estoque e vendas, pois como já observamos no resultado consolidado, as vendas são muito dependentes dos lançamentos, uma vez que as vendas falsas na planta ocorrem na maioria das vezes em até 6 meses após os lançamentos e os distratos de 2.014 vem de época de lançamentos e vendas muito maiores que os atuais. Como a Brookfield ainda conseguiu “fôlego para pedalar”, mesmo que em ritmo mais reduzido? Em 2.014, ela obteve mais de R$ 900 milhões de aporte de controladores, como mencionei mais acima.

    Rossi: reduziu seus lançamentos em 36% e apesar de ter o pior resultado na proporção entre estoque e vendas, ainda assim ela melhorou ligeiramente este indicador na comparação com 2.013. Ela ainda conseguiu lançar mais de R$ 600 milhões em 2.014, apesar de já estar com um estoque absolutamente absurdo em 2.013 e o pior de todo o segmento. Porque a Rossi não radicalizou na redução dos lançamentos em 2.014? Basicamente ela não queria que a “bicicleta parasse e ela caísse”, como aconteceu com a Viver. A Rossi conseguiu renegociar suas dívidas, continuou vendendo seus terrenos para concorrentes abaixo do preço de mercado, dentre outras ações para continuar com algum fôlego para continuar “pedalando”.

    Como ficou o endividamento das empresas acima?

    Post 40 - imagem 5 - dívida liquida por patrimonio liquido

    As 4 construtoras acima são as que estão sob o maior risco de insolvência, exatamente pela prática intensa das vendas falsas, conforme demonstrado aqui. Lembrando que a Gafisa só escapou graças à venda de 70% do segmento Alphaville. Caso não ocorram novos aportes vultosos, estas empresas não sejam adquiridas ou não tenhamos outra intervenção externa, dificilmente sobreviverão até meados de 2.016, pois o arsenal de ações apelativas para garantir a sobrevivência está se encerrando e se complica com o cenário de crise econômica.

    Será que além dos resultados consolidados de 12 empresas e da análise mais detalhada quanto a 4 delas, teríamos ainda outras evidências de que as construtoras estão “pedalando” e mantendo lançamentos relativamente elevados apesar de estarem com super estoques, apenas para maquiar os distratos vindos das vendas falsas do passado e não deixar aparecer que as quedas reais nos resultados financeiros e operacionais são ainda piores? Vamos agora observar um fato curioso que ocorreu durante o ano de 2.014 para a cidade de São Paulo, que é aquela que é a mais relevante para o segmento imobiliário no Brasil, em termos de volumes e assim, muitas vezes serve de referência para outras praças:

    Post 40 - imagem 6 - vendas lançamentos e estoque Sâo Paulo

    A situação acima é mais uma confirmação de como as construtoras estão pedalando via vendas falsas na planta para disfarçar distratos e a queda real das vendas. O que podemos constatar acima, é que se antes o aumento em lançamentos garantia um bom aumento em vendas falsas e os super estoques só seriam percebidos anos depois, no ato da entrega, agora este modelo de simulação de demanda não está mais funcionando, pois os super estoques estão sendo gerados de imediato! É um indicativo claro da dificuldade até mesmo para se obter incautos que se disponham a assinar os contratos de compra e venda sem terem renda para adquirir o imóvel, além de demonstrar o esgotamento desta “estratégia”.

    Quais as informações mais recentes, sobre o primeiro trimestre de 2.015 e expectativas?

    “Incorporadoras lucram 97% menos no primeiro trimestre”: http://veja.abril.com.br/noticia/economia/incorporadoras-lucram-97-menos-no-1-trimestre/

    “Fuga da caderneta pode gerar um subprime”: http://www.valor.com.br/valor-investe/casa-das-caldeiras/4040216/fuga-da-caderneta-pode-criar-um-%25E2%2580%2598subprime%25E2%2580%2599

    “Setor imobiliário vive tempestade perfeita, avaliam especialistas: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,setor-imobiliario-vive-tempestade-perfeita-avaliam-especialistas,1669770

    “Incorporadoras tentam estancar perdas”: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,incorporadoras-tentam-estancar-perdas,1693434

    Resumindo o que consta nas notícias acima: construtoras com Ações na BOVESPA tiveram queda de 97,9% do lucro no 1T15 comparado ao 1T14, estão reduzindo sensivelmente os lançamentos (cerca de 60% de redução), com estoques muito elevados, temos expectativa que os distratos possam alcançar até R$ 7 bilhões em 2.015 (previsão da Fitch, que analisa rating das construtoras), o que combinado com vendas brutas que vem sofrendo forte queda, será péssimo para o segmento imobiliário. Em destaque negativo quanto a endividamento e estoques, as empresas mencionadas neste trabalho como líderes no esquema de vendas falsas na planta. Bancos começam a falar abertamente sobre “risco de subprime” e cada vez mais agentes falando sobre quedas em preços que já estão ocorrendo e podem se intensificar.

    É importante observar, que a redução dos lançamentos que pode ser de mais de 60% sobre 2.014 (lembrando que já tiveram queda significativa em 2.012 e continuaram em queda até 2.014) neste ano de 2.015, é fatal para o esquema de vendas falsas na planta (param de “pedalar a bicicleta e ela cai”, como aconteceu com o Governo que com a interrupção das pedaladas levou a uma crise na economia), pois a maioria das vendas falsas é feita em até 6 meses do lançamento e além disto, apesar de 4 anos seguidos de reduções em lançamentos (já contando com números do início de 2.015), observamos que as vendas não param de cair e os estoques não param de crescer, com isto, o prazo para vender o estoque é cada vez maior, o que exerce uma pressão de custos cada vez mais forte nas construtoras.

    Concluímos que esta parte do oxigênio de nossa bolha está escassa.

    COMENTÁRIOS FINAIS:

    Tivemos recentemente um “pacote” de ações do Governo para tentar garantir o crédito imobiliário disponível e assim evitar uma derrocada das construtoras que leve à maior desemprego neste setor, vamos avaliar:

    O Governo, através de seus representantes no conselho curador do FGTS, garantiu mais R$ 4,9 bilhões disponíveis para empréstimos imobiliários, reduzindo o limite de preço do imóvel de R$ 750 mil nos grandes centros ou R$ 650 mil nos demais, para R$ 400 mil. Tivemos ainda a liberação de aproximadamente R$ 22,5 bilhões do compulsório da poupança para ser utilizado em empréstimos imobiliários. Governo impediu que bancos privados continuem usando subterfúgios para utilizar a poupança para outros fins que não o financiamento da casa própria (utilizavam cerca de 29% do saldo da poupança em títulos relacionados a imóveis comerciais). LCA e LCI passaram a ter menor liquidez inicial, de forma a tentar impedir a sangria da poupança e preservar este recurso para o financiamento imobiliário.

    As ações acima são boas para a economia como um todo? São coerentes com demais ações do Governo? Estas ações são o que podemos chamar de “pedalada usando o sistema”. Sistema é o termo utilizado por Levy para definir recursos do funding atual ou do sistema financeiro como um todo ao invés de recursos do Tesouro ou apenas dos bancos públicos. Neste sentido foi uma “evolução”, pois antes, as pedaladas do Governo envolviam maquiagens, transações pouco convencionais entre empresas do Governo e Tesouro, etc. De qualquer forma, continua sendo uma “pedalada”, uma ação visando estender uma anomalia acreditando que com o tempo o impacto poderá ser menor, quando na realidade, como sabemos das demais pedaladas do Governo e seus efeitos sobre a economia, é exatamente o contrário. Neste caso, enquanto o Governo por um lado adota diversas medidas contracionistas, através destas ações estimula exatamente o contrário, o aumento do crédito concedido, o que é contraproducente quanto a controles da inflação e quebra a confiabilidade na capacidade do Governo quanto a se manter fiel a seu plano de ajustes, o que gera insegurança e pode até desestimular investimentos das empresas, como já acontecia no passado com demais pedaladas “desenvolvimentistas” setoriais. Para piorar, o Governo estimula o crédito ao mesmo tempo que temos aumento no desemprego, inflação e juros em seu nível recorde, dívidas e inadimplência geral das famílias (SERASA) próximas de seus patamares máximos, ou seja, este é o caminho para se estimular a piora na inadimplência ainda mais, fazendo ainda com que se contamine para os bancos e afete todo o sistema financeiro, se funcionar. Por fim, o Governo está roubando segurança do próprio sistema ao consumir mais recursos de FGTS e diminuir o compulsório, é como se ele reduzisse o tamanho do seguro e ainda usasse este dinheiro para aumentar o risco que é coberto por aquele seguro.

    E quanto à efetividade, será que apesar de todos os prejuízos acima, estas ações emergenciais e apelativas que o segmento da construção civil exigiu de seu parceiro Governo, “valem a pena”? É possível que o total de ações sirva para cobrir o rombo da poupança, pois embora o FGTS e compulsório colaborem com pouco mais de 50% do saque esperado da poupança, no cenário mais otimista, foi tirado dos bancos privados o subterfúgio que eles usavam para não emprestarem mais com saldo de poupança já existente (29% do saldo total era desviado para títulos ligados a imóveis comerciais) e os desestímulos a outras aplicações para tentar preservar a poupança também deve colaborar, mas há um ponto essencial a ser avaliado: conforme demonstrado neste documento e na parte 1, as quedas em vendas brutas, lançamentos, crédito imobiliário concedido e o aumento em distratos que já vem ocorrendo desde 2.012 não tem nenhuma relação com a disponibilidade de crédito imobiliário que cresceu de forma relevante ao longo destes anos, além disto, com a queda na economia sendo mais perceptível em 2.015 e afetando diretamente as finanças das famílias, tudo isto deverá continuar e se intensificar, agravado pelos efeitos colaterais destas novas pedaladas.

    Referências:

    Notícias sobre investidores imobiliários dos EUA e Espanha que vieram para o Brasil entre 2.005 e 2.007 (Sam Zell e Enrique Bañuelos) apostando nas empresas Gafisa e PDG e saíram destas empresas em 2.010 e 2.011 respectivamente:

    http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,sam-zell-vende-participacoes-na-gafisa-e-br-malls-imp-,619804

    Megainvestidor Enrique Bañuelos diz ‘adiós’ ao Brasil

    Até o próximo post!

    Geral

    Resultados Tecnisa e a Bolha Imobiliária

    13 de maio de 2014

    Post mais recente sobre a bolha imobiliária no Brasil: http://defendaseudinheiro.com.br/a-bolha-imobiliaria-no-brasil-e-a-economia

    Objetivo deste trabalho é apresentar uma análise sobre resultados da Tecnisa desde 2.007 até o 1T14 inclusive, com foco nos itens que tem maior relação com a bolha imobiliária no Brasil e aproveitando para demonstrar mais uma vez, como opera nosso subprime e expectativas.

     

    Resultados Tecnisa e a Bolha Imobiliária:

    Este trabalho é uma continuação do estudo feito quanto a 12 construtoras, com mais enfase em 7 delas e que demonstrou como foi construído o subprime brasileiro. O estudo anterior pode ser consultado no link: www.defendaseudinheiro.com.br/a-bolha-imobiliaria-e-o-subprime-brasileiro.

    A maior parte das informações da Tecnisa que constam aqui, foram extraídas de earnings releases divulgados pela mesma e que constam na página de investidores no site oficial da empresa, disponível para consulta por qualquer pessoa que tenha interesse nestas informações (link: www.tecnisa.com.br/investidores), com exceção da promoção com descontos de até 30% que foi extraída da página principal da empresa (link: www.tecnisa.com.br) e dos depoimentos de investidores em imóveis na planta, que foram extraídos do site www.reclameaqui.com.br. Adicionalmente, constam aqui informações sobre outras construtoras, também extraídas de earnings releases disponíveis na página para investidores no site de cada uma das empresas, além de dados de pesquisas de mercado realizadas por empresas especializadas neste segmento e trabalhos anteriores publicados.

    Vamos começar analisando as vendas, lançamentos e estoques a partir do ano de 2.007:

    Post 24 imagem 1 vendas lançamentos e estoques

    Análise das informações acima:

    A Tecnisa, como demais construtoras, depende muito de lançamentos para fazer vendas crescerem (exemplo: no total das Construtoras em São Paulo, mais de 80% das vendas de novos todos os meses são de imóveis com até 6 meses do lançamento – SECOVI SP), por isto, lançaram muito em 2.010 e 2.011, mas as vendas não acompanharam os lançamentos e os estoques dispararam. Desde 2.011, estoque se mantém alto, independente de diminuições drásticas em lançamentos, como aconteceu em 2.012 e no 1T14, pois as vendas caíram muito também e foram muito pouco superiores aos lançamentos. A redução drástica nos lançamentos do 1T14, segundo a Tecnisa, se deve a base de comparação, pois no 1T13 tiveram o “Jardim das Perdizes”, que neste momento está em pré-lançamento para próxima fase.

    Vamos agora, analisar mais algumas informações dos earnings releases da Tecnisa, que chamarei aqui de indicadores do subprime brasileiro, pois ajudarão a demonstrá-lo.

    Post 24 imagem 2 indicadores do subprime brasileiro

    Pelo que podemos observar, o endividamento em relação ao patrimônio liquido atingiu um novo recorde no 1T14. Justificativa Tecnisa: o alto volume de lançamentos em 2.010 e 2.011  traz custos altos com menos receitas, se equilibrará na entrega . Esta justificativa faz sentido?

    Como referência, outra empresa do segmento, a MRV, se orgulha porque no 1T13 tinha recorde mundial de imóveis sendo construídos ao mesmo tempo (mais de 100.000) e apesar disto, a relação de dívida liquida sobre patrimônio liquido ficava em cerca de 30%, como explicar a disparidade para este indicador da Tecnisa?

    Outro ponto: como justificar uma dívida liquida tão maior que o patrimônio liquido (PL), se o estoque de imóveis sem vender, que é a maior parte deste PL, é muito elevado, tanto em valor quanto em proporção a meses de vendas (equivale a mais de 18 meses de vendas)?

    Só para finalizar a análise quanto a dívida da Tecnisa: Viver, PDG, Brookfield, Rossi e Gafisa, todas elas chegaram a patamares muito similares aos da Tecnisa nos indicadores acima e todas elas estão em péssima situação financeira, com exceção de Gafisa que conseguiu sobrevida graças a venda de 70% de Alphavile (ver detalhes em trabalho anterior). Será que a Tecnisa estaria tão melhor que estas empresas, tendo indicadores tão similares?

    Sobre os estoques, a Tecnisa justifica que só 4% no 1T14 eram imóveis prontos. Não comentam o fato do estoque total ser equivalente a mais de 18 meses de vendas (elevado) e também não mencionam que o baixo estoque de prontos se deve a atrasos enormes em obras.

    Já sobre o volume muito elevado de distratos, a Tecnisa tem uma teoria interessante: distratos são bons, porque voltam para o estoque e são revendidos com um preço maior, graças à valorização constante dos imóveis ao longo do tempo. Vejamos gráficos do release do 1T14:

    Post 24 imagem 3 - distratos - velocidade revenda e margem

    Frente aos dados acima, vamos avaliar três pontos quanto a “distratos serem bons”:

    1) De fato a margem é maior, no entanto, esta diferença é muito pequena (média de 4% de margem a mais) quando comparado ao juros que a Tecnisa tem que pagar por suas dívidas, que acaba não só consumindo esta margem, como gerando um resultado negativo relevante. Basta considerar que em 15 meses conforme consta no gráfico acima, tiveram 45% dos distratos realizados que não foram revendidos, em outras palavras, todos estes tinham previsão de alimentar o caixa e pagar dívidas, no entanto, foi exatamente o inverso, sugando dinheiro do caixa para restituir ao comprador que cancelou o negócio e aumentando dívidas ;

    2) Se estoques da Tecnisa e do mercado fossem baixos, talvez até fizesse algum sentido alegar que os distratos eram bons porque traziam margem maior, mas quando se tem estoques equivalentes a mais de 18 meses de vendas como no caso do 1T14 e existe uma clara super-oferta no mercado, desde quando seria bom aumentar ainda mais estes estoques? Quanto maior o estoque, maior a necessidade de dar descontos para desová-los e aqui falamos de estoques muito elevados, aliás, com os 4% a mais de margem em relação a venda feita anos atrás, fica bem inferior ao preço atual de mercado e ajuda a empurrá-lo para baixo ;

    3) Os distratos em larga escala geram vendas menores, estoques maiores e sugam o caixa, tudo isto é péssimo para tomarem empréstimos, aumenta risco e portanto juros que pagam.

    Um diferencial da Tecnisa em 2.013 foi o “Jardim das Perdizes”, que se aproveitou de terrenos adquiridos por ela em 2.007, logo após IPO, combinado com financiamento de mais de R$ 700 milhões concedido pelo Santander. A dúvida é se este lançamento e suas vendas foram realmente o “ovo de Colombo”, ou se apenas tornaram os earnings releases mais bonitos em um primeiro momento, para depois virarem um novo volume elevado de distratos…

    Em outras palavras, seria a Tecnisa uma exceção quanto as construtoras que entraram em crise em função de altíssimo volume de distratos e tinham indicadores muito parecidos para estoques e dívidas, ou ela está apenas “pedalando” mais que as outras e adiando o tombo?

    Agora, vamos avaliar algumas consequencias práticas quanto a esta situação financeira da Tecnisa e do mercado imobiliário como um todo. Desta vez, colocarei aqui uma cópia (“print screen”) do que está na primeira página do site da Tecnisa (www.tecnisa.com.br):

    Post 24 imagem 4 desconto 30 por cento Tecnisa

    O desconto que consta acima, ocorre em função da combinação de um estoque elevadíssimo com dívidas também muito elevadas, em proporção anormal em relação ao tamanho do negócio e expectativas. Traduzindo: a empresa precisa dar descontos relevantes para desovar o seu enorme estoque e com isto conseguir pagar suas dívidas muito elevadas!

    Ao contrário de algumas visões “pueris”, de que as construtoras e demais vendedores de imóveis podem ficar por muito tempo sem vender, com elevadíssimos estoques e que isto não representaria nenhum problema, a verdade é que no mundo real, tanto as empresas quanto as pessoas precisam pagar suas dívidas, no mínimo para sobreviver…

    A situação acima, não é uma exclusividade da Tecnisa, como todos sabem, de tempos em tempos a Rossi relança o “Outlet Rossi” com descontos de até 35%, a Even relança o “Even Day” com descontos de até 40%, a PDG relança o “Nocaute PDG” com percentuais elevados de descontos e assim por diante.

    Muitos acreditam que as promoções acima são 100% “Brazilian Black Fraude”, ou seja, campanhas que simulam reduções de preços, pois dão descontos sobre preços de tabela que teriam sido majorados pouco antes da “promoção”, fazendo com que os preços finais fiquem iguais ou até maiores que os anteriores, prática que infelizmente é muito comum no Brasil. Para tirarmos a dúvida, vamos buscar algumas referências, começando pelo ReclameAqui:

    Link com reclamação, postada em Brasília – DF Segunda-feira, 23 de Setembro de 2013 – 15:44

    http://www.reclameaqui.com.br/6539330/tecnisa-construtora/nao-comprem-apt-tecnisa

    Trecho da reclamação do link acima (copiado e colado, sem alterações de conteúdo ou formatação, com exceção do ponto principal que coloquei em negrito):

    “NOS QUE COMPRAMOS UNIDADES NA PLANTA DO ART LIFE ACGUA VILAGUE EM ÁGUAS CLARAS ESTAMOS LUTANDO PARA RECEBER NOSSAS UNIDADE A MAIS DE UM ANO E NADA.
    a TECNISA AGORA ESTÁ VENDENDO AS UNIDADES POR VALOR MAIS BAIXO QUE QUANDO NOS COMPRAMOS NA PLANTA, UMA TREMENDA FALTA DE ÉTICA”

    Vejamos a resposta da Tecnisa também extraída do link acima:

    “Gostaríamos de esclarecer que os critérios e políticas de venda estão sujeitos a oferta e demanda, sendo portanto, natural a oscilação de valores no curso do empreendimento.”

    Observem a data em que foi postada a reclamação: 23/Setembro/2013. Isto significa que as promoções feitas pela Tecnisa, que tem sido contínuas nos últimos anos, como para várias construtoras, levam a situações como esta relatada no ReclameAqui.

    Para que tenhamos uma visão um pouco mais abrangente, vejam relatos de diversos compradores que viram imóvel ter queda de preços na entrega na comparação com o preço pago na planta, sendo que isto ocorreu em diversas cidades (São Paulo, Ribeirão Preto, São José dos Campos, Brasilia, Goiânia, etc.) e também para as mais variadas construtoras (PDG, Gafisa, Brookfield, MRV, Rossi, etc.). Segue o endereço que contém os depoimentos e também os links para o ReclameAqui:

    www.defendaseudinheiro.com.br/comprar-imoveis-em-tempos-de-bolha-imobiliaria

    Será que temos outras evidências quanto a quedas de preços, além dos depoimentos de compradores? Vamos falar sobre algumas pesquisas com base em preços reais, feitas diretamente junto a construtoras e órgãos ligados ao segmento imobiliário:

    Em Brasília, queda de 35,5% no preço dos lançamentos, em São José dos Campos e Natal, queda de 25% na entrega de novos, queda de 17% no preço do imóvel novo de 3 dormitórios em São Paulo no 1T13. Para acessar todos os links com evidências das informações que constam neste parágrafo e muito mais, incluindo evidências de superoferta em todo o país (São Paulo, Salvador, Curitiba, BH, Manaus, Brasília, etc.), veja trabalho anterior:

    www.defendaseudinheiro.com.br/mitos-e-verdades-da-bolha-imobiliaria-parte-i

    Como chegamos na situação acima?

    As construtoras estimularam um altíssimo volume de vendas falsas na planta, ou seja, vendas para clientes que não teriam condições de adquirir financiamento bancário do imóvel no ato da entrega do mesmo. Por que as construtoras fariam isto? Os agentes envolvidos são muito beneficiados por este processo, pois no caso dos corretores, a comissão paga no ato da venda não é devolvida para o cliente no ato do cancelamento (cheques à parte), para executivos das construtras, os bônus pagos pelo “crescimento nas vendas” também não precisam ser ressarcidos no momento dos distratos, no caso das próprias construtoras, esta simulação de demanda via vendas falsas gerou resultados vistosos em seus relatórios trimestrais no começo, ao mesmo tempo propiciou um aumento artificial de preços, o que atraiu grande número de especuladores, retroalimentando nosso subprime.

    Vamos dar um exemplo, de como este esquema opera, mais uma vez, utilizando a Tecnisa e o ReclameAqui. Vejam conteúdo no link abaixo:

    http://www.reclameaqui.com.br/5794925/tecnisa-construtora/distrato

    Localidade e data do depoimento: Guarulhos – SP Terça-feira, 02 de Julho de 2013 – 13:42

    Segue um trecho da reclamação, transcrita literalmente como consta no link acima:

    “Quando chegou a simulação do financiamento, fomos estudar e verificamos que não daria para arcar com um prestação tão alta (não foi feita a simulação no ato da compra)”

    Aqui temos uma singela demonstração de como funciona a venda falsa: no ato da venda na planta, não fizeram sequer a simulação para saber se o cliente teria condições de arcar com o financiamento bancário quando o imóvel fosse entregue. A simulação foi feita no ato da entrega do imóvel somente, gerando o depoimento no ReclameAqui porque neste caso o cliente já havia pago um montante elevado, queria fazer o distrato porque não podia adquirir o financiamento bancário e a Tecnisa queria restituir apenas uma pequena parte.

    Se pensarmos bem, considerando-se que a Tecnisa defende por escrito que “distratos são bons, porque podem ser revendidos por margem maior quando ocorrem” (o que não é verdade quanto ao fato de serem “bons”, conforme foi extensamente  demonstrado aqui), por que se preocuparia em fazer uma análise de crédito no momento da venda na planta?

    Só para mais uma vez não termos uma evidência isolada, relembro o que foi colocado no trabalho imediatamente anterior a este, quanto a evidências de nosso subprime:

    Os distratos tem representado um mínimo de 20% até mais de 60% das vendas brutas, equivalendo a bilhões de R$ todos os trimestre na somatória das construtoras que demonstram este número, algo que não existia até antes de 2.011 no Brasil e que também não existe para qualquer segmento de negócio em qualquer lugar do mundo.

    Link do trabalho anterior com evidências e detalhes do que consta no parágrafo anterior:

    www.defendaseudinheiro.com.br/a-bolha-imobiliaria-e-o-subprime-brasileiro

    O que podemos esperar no futuro próximo, quanto a Tecnisa, demais construtoras e o mercado imobiliário como um todo?

    Aumentando ou não os lançamentos e os descontos, tudo indica que no futuro próximo a Tecnisa não conseguirá reduzir os seus estoques muito elevados na proporção que é necessária para voltar a uma posição de equilíbrio, a experiência dos últimos anos demonstrou isto, basta ver os dois primeiros gráficos deste trabalho, com vendas, lançamentos e estoque.

    A situação acima, envolvendo várias construtoras e não só a Tecnisa (algumas outras de grande porte, mesmo que sem um endividamento tão elevado ainda, já possuem estoques muito elevados), obriga o mercado como um todo a continuar praticando descontos reais em larga escala, disfarçando o máximo que podem que isto significa uma queda de preços que já está ocorrendo de forma maquiada e disseminada pelo país e que mesmo assim, não resolve o problema dos super-estoques que também fica mais evidente a cada dia (os descontos, embora elevados e fazendo com que preços na entrega fiquem inferiores aos “na planta”, ainda não são o suficiente para fazer com que fiquem compatíveis com renda da população).

    Alguns pontos importantes:

    1) O juro médio do crédito imobiliário teve crescimento recorde em Janeiro/2014 e tende a ficar maior que em 2.013 durante todo o ano, porque a CEF está desacelerando a concessão de crédito imobiliário, em virtude dos problemas fiscais do Governo e temor de novos rebaixamentos de rating, combinado com os aumentos da SELIC que são repassados posteriormente para o juro do crédito imobiliário pelos bancos particulares. Isto significa, na prática, muito mais dificuldade para tomada de crédito por compradores de imóveis a partir deste ano. Vejam abaixo o gráfico do Banco Central:

    Post 24 imagem 5 juro médio crédito imobiliário

    Link que contém gráfico do banco central e que também comenta o quanto já aumentou a dificuldade do brasileiro para contrair financiamento bancário a partir de Janeiro/2014:

    http://blogs.estadao.com.br/no-azul/2014/02/27/com-alta-do-juro-brasileiro-aumenta-em-12-meses-o-prazo-de-financiamento-de-imoveis/

    2) Pelo quarto ano seguido o crescimento da economia será pífio para um país em desenvolvimento, neste ano ainda pior. Inflação e juros elevados, já tem se refletido em quedas significativas de consumo, além de crescimento no endividamento e inadimplência, bem como aumento no desemprego para alguns setores e localidades. A combinação destes fatos é altamente impactante, pois prejudica a capacidade de pagamento de prestações para quem já adquiriu imóvel e a possibilidade de novas vendas para quem não adquiriu ;

    3) Mesmo apelando para vendas falsas na planta em larga escala como algumas construtoras tem condições para fazer e aparentemente estão fazendo durante este ano, ainda assim já temos diversas outras que não conseguem mais fazer isto em virtude de seu elevado endividamento e estoques, criados como consequencia das próprias vendas falsas e no final, estas últimas é quem mais colaboram para a queda natural dos preços (precisam dar muitos descontos para conseguirem desovar estoques, pagar dívidas e sobreviverem) ;

    4) O recorde de lançamentos da Tecnisa e demais construtoras ocorreu nos anos de 2.010 e 2.011. Com os grandes atrasos que tem sido observados, teremos recorde de entregas em 2.014 e 2.015, o que significa uma grande quantidade de imóveis chegando às mãos de investidores que irão tentar revendê-los, além de um volume ainda maior de distratos, que deverão ser impulsionados de forma significativa pelo que consta nos itens 1 e 2 logo acima, tudo isto fazendo com que super-oferta fique ainda maior e mais visível.

    Embora ainda estejamos em Maio/2014, já temos evidências de que este ano seria mais complicado para o segmento imobiliário, seguindo o que consta acima? Vejamos alguns fatos, apenas como amostras:

    Em São Paulo, vendas de imóveis novos caíram quase 50% em Fev/14 comparado a Fev/13. No link abaixo, uma análise mais completa e endereço da notícia com dados do SECOVI SP:

    http://defendaseudinheiro.com.br/bolha-imobiliaria-sp-vendas-de-imoveis-novos-caem-50-em-fevereiro/

    No caso de imóveis usados, ainda em São Paulo, as vendas também caíram em Jan/14 na comparação com mesmo ano anterior, segundo pior resultado para Janeiro desde 2008, veja estudo abaixo baseado em pesquisas do CRECI SP com mais de 400 imobiliárias:

    http://defendaseudinheiro.com.br/bolha-imobiliaria-sp-usados-queda-de-vendas-e-precos-em-jan14/

    Para BH, tivemos queda de mais de 70% nas vendas de imóveis novos, segundo pesquisa do IPEAD/UFMG, ao compararmos o mês de Fev/14 com mesmo mês de 2 anos anteriores. Veja estudo abaixo com mais análises e link para estudo do IPEAD/UFMG:

    http://defendaseudinheiro.com.br/bolha-imobiliaria-bh-vendas-de-imoveis-novos-caem-mais-de-70-em-fevereiro/

    Neste próprio trabalho, temos que a Tecnisa contou com distratos equivalentes a mais de 40% das vendas brutas no 1T14 e mesmo com descontos elevados e reduções relevantes em lançamentos, a redução nos estoques foi mínima, insuficiente, fazendo com que o prazo estimado para desovar estes estoques ficasse ainda mais elevado (acima de 18 meses).

    Na prévia da Gafisa, já apresentou informação que distratos totais de segmentos Gafisa mais Tenda foram superiores a 50% das vendas brutas no 1T14. Pode ser comprovado acessando informações públicas no site desta empresa, na página de investidores.

    No earnings release da PDG do 1T14, consta que distratos aumentaram e que 84% deles foram por incompatibilidade de renda do comprador no ato da entrega do imóvel (não conseguiam adquirir financiamento imobiliário por não ter renda suficiente).

    Conclusão:

    Demonstramos aqui que a situação crítica quanto a endividamento e estoques da Tecnisa piorou no 1T14, sendo que as explicações fornecidas pela empresa são frágeis e estes indicadores  tem tendência de piorar ainda mais em próximos trimestres. Embora o aumento em lançamentos e vendas falsas na planta possam mascarar esta situação, não só para Tecnisa como para outras empresas do segmento, o problema é crônico e relacionado aos efeitos do subprime brasileiro, obrigando os eternos descontos reais nos preços dos imóveis, que tem tendência de crescer para estas empresas durante o ano de 2.014, em virtude de uma combinação de diversos fatos adversos para o segmento, como o crescimento do juros médio do crédito imobiliário, situação da economia, recorde de entregas e de distratos previstos para 2.014 e péssima situação financeira de várias construtoras.

    Até o próximo post!